“(…) Quando fazemos surveys sobre clima e felicidade organizacional, deveríamos inquirir também o nosso núcleo duro de apoio, os que conhecem o nosso Lado A e o B, aqueles que sabem se estamos, ou não, a ser fiéis a nós próprios. Tenho para mim que os resultados seriam interessantes para cruzar análises. “(…)
Circula por aí uma frase recorrente? que diz algo como “daqui a 10 anos as únicas pessoas que se lembrarão do tempo que investiu a trabalhar serão os seus filhos”.
No meu caso, não precisarei esperar tanto tempo. Primeiro, porque conscientemente e já há algum tempo, tomei a decisão de perceber o que me faz feliz e priorizar os meus diferentes papéis, assim que tive o mais grave sinal de alarme, e em segundo lugar porque o meu filho faz questão de se fazer ouvir sabendo que será escutado.
Sempre fui muito orientada para a minha carreira, para os meus objetivos profissionais. Desde cedo que tinha bem definido onde queria chegar e durante anos lutei por isso, quase em primazia. Ao longo deste percurso não havia lugar a “nãos”, não me concedia a possibilidade de fazer escolhas que pudessem representar menos que o que almejava em termos de desempenho. Deslocava-me com o computador como uma extensão do meu braço, telemóvel 24hrs de prontidão. Orientação e foco, nesse mesmo registo: trabalho, carreira, sucesso. A tríade da qual me alimentava para conseguir fintar as horas, duplicar as entregas e não falhar. Ou a adrenalina que me fazia sentir imbatível.
Entretanto o meu filho nasceu, mas nada que não conseguisse conciliar, ou pelo menos era com esta convicção que me enganava.
Atenção, não digo que não é possível, digo que para ser, pelo menos para mim, seria necessária uma rede de apoio com três pilares:
- apoio com a criança, nos horários pós escola e deslocações;
- sistema educativo em linha com o tecido empresarial nacional, para quem não trabalha das 09h00 às 17h00 e tem 22 dias de férias;
- empresa amiga dos pais e das crianças, permitindo agilizar as barreiras criadas pelas nossas escolas.
Custou-me acreditar que não tinha controlo sobre os pontos mencionados… Que não era, nem seria, uma super-heroina com o dom da obliquidade e que estava a perder como mulher, mãe e profissional. Mas pesou ainda mais a crua constatação de que o tempo não volta atrás. A partir desse estado de consciência o que fiz foram escolhas.
Escolhi-me a mim, em 1º lugar, os meus e tudo aquilo que me faz bem.
Compreendi que é impossível controlar tudo e que algumas das coisas às quais dava valor eram, somente, variáveis efémeras que, se em excesso, acabam por ser uma droga muito perigosa. Quando vivemos para trabalhar, alimentamo-nos da adrenalina trazida pela satisfação do resultado de algo que gostamos de fazer, mas desviamo-nos do essencial. E a isso, a dada altura, eu disse “basta”. Preciso de me recentrar na medida certa do que sou, com conta, peso e medida.
O meu filho entra na pré-adolescência amanhã. Por isso decidi escrever hoje.
A semana passada, chegados a casa de um concerto, surpreendeu-me com a seguinte observação:
– Nunca te vi tão feliz como agora, aliás, vi, quando trabalhaste na empresa X. Na Y não, não eras feliz.
– A sério? Consegues perceber essa diferença? Em que aspetos?
– Consigo! Na forma como te ris, como contas as histórias do trabalho e falas dos teus amigos. Como tens energia que às vezes faltava.
Agradeci-lhe e pedi-lhe que nunca me deixasse voltar atrás. Que se alguma vez sentisse que me estava a perder me avisasse.
Não consegui dormir nessa noite. Este ano foi particularmente difícil no que respeita a perdas, a complicações de saúde e outras questões pessoais que abalaram em muito estruturas pré-definidas, mas apesar de tudo o meu filho sente-me feliz e realizada.
Que diferença entre a perceção que temos, de que estamos a fazer o melhor, versus o que é percecionado como o melhor.
Quando fazemos surveys sobre clima e felicidade organizacional, deveríamos inquirir também o nosso núcleo duro de apoio, os que conhecem o nosso Lado A e o B, aqueles que sabem se estamos, ou não, a ser fiéis a nós próprios. Tenho para mim que os resultados seriam interessantes para cruzar análises.
Sou pouco apologista de receitas mágicas, o que serve a uns não serve a outros, mas deixo uma “dica”: pergunte a quem importa como o(a) sente, e talvez se sinta mais grato pela empresa onde está atualmente e mais em paz com os superpoderes que bastam 😉
Por Joana Russinho, People Enthusiastic, head of Human Resources da DLA Piper e autora de Eu e os Meus*
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