Não sei se já vos passou, alguma vez, pela vossa cabeça, questionarem o que acontece com as crianças/jovens que vivem nos centros de Acolhimento, um pouco espalhadas por todo o país, ao atingirem a maior idade. O cenário não é dos melhores porque a transição dos centros de Acolhimento para a vida independente reveste-se de muitos desafios, começando ainda muito antes dos jovens deixarem os Lares.
A maioria das crianças que entram para os centros de Acolhimento em Luanda/Angola possuem experiências de negligência e violência, existindo um número significativo de jovens que sofre mais do que um tipo de maus-tratos. Estes jovens vivenciaram vários traumas, o que influencia a sua capacidade de desenvolver vínculos e relacionamentos saudáveis. Tudo isto pode levar ao isolamento social e à falta de recursos fornecidos por relacionamentos que auxiliam no crescimento e ajustamento de um indivíduo ao longo do tempo. Para a maioria dos jovens em centros de Acolhimento, não existe uma rede de segurança com a qual possam contar na sua transição para a independência.
As crianças chegam aos centros por vários motivos. Uns são órfãos por terem perdido 1 ou ambos os pais. Também existem os “órfãos sociais”. São crianças e jovens que perderam qualquer conexão significativa com a sua família. Os órfãos sociais incluem crianças vulneráveis, que podem viver nas ruas, crescer em orfanatos ou Lares de Acolhimento ou estarem separadas das suas famílias devido aos maus-tratos, acusadas de feitiçaria, conflitos ou outras questões.
Os Lares cuidam deles desde tenra idade. Têm a missão de garantir toda a proteção de acordo as regras internas dos centros de Acolhimento/orfanatos bem como de acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança.
Existe um momento, na vida dos adolescentes dos Lares de Acolhimento, em que começam a ser preparados psicologicamente pois têm de sair dos Lares depois dos 18 anos e encontrarem um rumo. Os Lares alegam precisarem de espaço para acolher outras crianças.
É aqui onde há uma lacuna neste processo de transição que é sair do Lar de Acolhimento e enfrentar os desafios da vida adulta fora do Lar que os acolheu desde a infância.
Um adolescente comum, estando a viver com o seu familiar recebe todo o suporte necessário, e mesmo recebendo todo o apoio muito provavelmente esse adolescente, ao completar a maioridade, não estaria pronto para enfrentar os dilemas da vida adulta sem qualquer ajuda, principalmente financeira.
Assim sendo, penso que não seja correto nem justo que os Lares de Acolhimento, que recebem alguns apoios “abandonem” esse jovem, que ficou sob sua responsabilidade desde a infância, pelo simples facto de ter completado 18 anos de idade, especialmente quando não lhes foram dadas as reais condições para a sua efetiva “emancipação”.
Há a necessidade de se oferecerem e criarem condições prévias para que a criança ou o adolescente possam pensar e (re)inventar o seu próprio futuro. É preciso que as equipas responsáveis dos Lares de Acolhimento tenham um programa que a partir de uma certa idade do adolescente, provavelmente a partir dos 15 anos, comecem a preparar esse plano de transição, garantir a preparação e acompanhamento antes da saída.
É fundamental que se respeite a história, identidade cultural e religiosa, constituição física e biológica, e a possibilidade de construção de autonomia e estrato social. O projeto de vida representa o desejo da criança e do adolescente, incluindo o desejo da sua família, caso ainda existam alguns vínculos, portanto, as equipas dos Lares de Acolhimento devem ser bastante sensíveis para, ao mesmo tempo, estimular, provocar e respeitar as escolhas individuais, sem que, dessa forma, esteja impondo os seus desejos e expectativas.
As crianças e os adolescentes espelham-se nos educadores e em outros adultos de referência, nas suas qualidades, talentos, motivações e objetivos, e é muitas vezes assim que se cria o exercício de desejar, sonhar, imaginar e fazer planos. E é claro que estes não são fixos, podem mudar – e mudam mesmo – porque novas possibilidades surgem e tudo está em constante movimento.
Está aqui uma grande oportunidade para os programas de responsabilidade social nas empresas, criar programas de capacitação para jovens entre os 15 e os 18 anos de idade que vivem em Lares de Acolhimento. Estabelecerem parcerias com 1 ou mais Lares, criando um programa de capacitação de 3 anos, a partir do momento que o jovem complete 15 anos deveria entrar para esse programa de capacitação com o objectivo de se preparar para que quanto chegasse aos 18 anos, o jovem esteja pronto para:
- Sair do Lar de Acolhimento
- Ter todas as qualidades para concorrer a 1 ou mais vagas de emprego
- Ter uma casa de passagem, um quarto onde possa viver temporariamente até 2 anos
- Ter um trabalho ou um negócio por conta própria
Em condições normais, entre os 15 e os 18 anos, é possível equipar o adolescente com tudo o que é necessário para sair do Lar e fazer a transição para uma casa social partilhada. Caso não seja possível, então o Lar daria mais dois anos de residência até completar 20 anos de idade, nessa altura as condições têm de estar criadas para esses adolescentes deixarem o Lar de Acolhimento.
A saída dos jovens do Lar de Acolhimento, não devia ter hora marcada por um decreto. Mesmo sabendo que o Acolhimento inicialmente é uma medida protetiva provisória, não se pode ignorar que há um processo de vinculação e maturação. O prazo dos “18 anos” é para todas as instituições. Encontrar soluções que respeitem o ritmo de amadurecimento de cada um e a conquista de condições concretas para a saída do jovem é um dos pontos que angustia e desafia. Há que se cuidar para não deixar o tempo passar, pois o presente e o futuro precisam ser cuidadosamente pensados e preparados.
Imaginem viver nos Lares de Acolhimento desta tenra idade, criar laços afetivos com outras crianças e educadoras, chegarem aos 15 anos e começarem a pensar o que será da vida deles/delas quando chegarem aos 18 anos, altura em que têm de sair do Lar. Não havendo qualquer visão sobre o futuro, qualquer acompanhamento entre os 15 e os 18, como ficam os problemas de ansiedade, ataques de pânico e outros transtornos para os jovens que saem do Lar e para os jovens que ficam.
Empresas, organizações, governo, sociedade civil, fica aqui uma reflexão e a responsabilidade social de fechar esta lacuna no processo de transição da saída do jovem dos Lares de Acolhimento para uma vida ativa, com o mínimo de preparação para enfrentar os desafios.
José Carlos da Silva