Ana Rocha, Consultora de RH e Psicologia da Saúde Ocupacional.

Tu consegues tudo o que desejares, desperta o teu gigante!’. Nos dias de hoje, frases destas são quase aforismos que qualquer um dos mortais que se preze deve dizer, postar nas suas redes sociais e ter bem entranhadas na sua mente.

A onda de positivismo que rebentou nos últimos anos vem dizer-nos que importa que nos sintamos felizes, alegres, que não choremos, não sejamos fracos, que sejamos crentes no potencial infinito das pessoas e das instituições, que somos todos Mega especiais. O que cultivamos com isto?  O que pretendemos transmitir a nós mesmos e aos outros com estas afirmações? Teremos perdido a noção do real e o bom senso? Nem os livros sapienciais das mais variadas sociedades e religiões, como é o caso Bíblia, nos exortam a crer de forma cega ou infundada.

Estaremos nós, no limite, a cultivar a falta de autoconsciência realista, o narcisismo, a megalomania, a soberba, a intrepidez leviana?

Todas, mas todas as emoções têm uma função! Quando adequadamente geridas podem ser produtivas para a nossa adaptação psicossocial, incluindo o medo, a tristeza e a raiva! Preocupa-me um pouco que advoguemos que apenas as emoções agradáveis nos fazem falta. Biologicamente isto não faz sentido, a espécie não se teria preservado até hoje se não sentíssemos medo, nojo, raiva, tristeza… ao ver um leão se não sentisse medo e isto não desencadeasse em mim a resposta de fuga ou luta, como seria? Se cheirasse comida estragada e não sentisse nojo, como evitaria comê-la? Se não sentisse raiva de quem me maltrata ao longo de anos, como eu protegeria a minha sanidade física e mental?

Em termos neurológicos, sem emoções nem sequer conseguimos tomar decisões, desde as mais básicas como escolher a cor da roupa que usamos, até à forma como vamos gerir um subordinado que é hostil. O caso do Phineas Gage, retratado pelo neurologista do António Damásio no seu livro ‘Erro de Descartes’ é um exemplo interessante de ler.

O ponto é: usar as emoções de forma equilibrada e funcional, isto é, de forma a que cada uma delas não dificulte a nossa interacção social com os outros, a nossa capacidade de trabalhar e aprender de forma equilibrada e por aí fora.

As abordagens mais ajuizadas da Psicologia Positiva não incentivam o dogma do positivismo infundado. Seligman, no seu livro ‘Florescer’ fala-nos justamente da felicidade eudaimónica como aquela que abrange uma paleta diversificada de dimensões que nem sempre são agradáveis de sentir. No modelo PERMA (positive emotions, engagement, relationships, meaning e achievement):

  • Emoções positivas fazem parte da felicidade, sim, mas não são exclusivas. A investigação tem mostrado que, em média, com níveis de bem-estar subjectivo equilibrados e funcionais existe um rácio de, pelo menos, 1 emoção desagradável e 3 agradáveis;
  • Para conseguirmos comprometer-nos e alcançar metas (engagement e achievement) necessitamos ter capacidade de, por exemplo, adiar a gratificação. Apetece-me ir à praia, mas tenho que trabalhar porque assumi um compromisso; certamente seria mais agradável ir à praia, pelo menos para mim;
  • Nas relações interpessoais saudáveis é natural emergirem conflitos, que necessitam ser geridos e não somente ignorados. Por vezes, em prol do bem-estar do outro, ignoramos as nossas próprias necessidades, e nem sempre é agradável, embora a recompensa o possa ser, como seja fazer sacrifícios pela educação dos filhos; e
  • Para sentirmos significado no trabalho e na vida, nem sempre sentimos prazer. Quantas pessoas fazem coisas desagradáveis, mas com significado? Vejamos o exemplo de Lincoln que fez alcançou abolição da escravatura, mas que passou por uma guerra civil dura e ele mesmo sofria de depressão, tomando mercúrio (coisa que hoje a medicina rejeita veementemente pelos efeitos secundários muito adversos) para lidar com os sintomas? Será que ele sentia alegria e prazer? Nem sempre, mas o significado das suas acções compensaram-no a ele e à Humanidade.

Para concluir, gostaria de deixar a sugestão de leitura, além dos livros já referidos acima, os livros da Brené Brown, em particular ‘A coragem de ser imperfeito’.

Sejamos Seres Humanos, apenas.

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