I. COMPLIANCE NA CONSTITUIÇÃO DA RELAÇÃO LABORAL

O momento da constituição é, em regra, antecedido de um processo de recrutamento e selecção onde são definidos vários aspectos tendentes a adequar o resultado do processo às exigências de provimento da organização. Assim, chamamos a particular atenção para alguns aspectos que se nos afiguram de fulcral importância para a equipa de recrutamento e selecção, nomeadamente, mas não taxativamente:

  • Risco de Discriminação: A decisão sobre a escolha de um currículo, e consequentemente do candidato subjacente, em relação a outro é sempre fundada em pressupostos objectivos e subjectivos, na medida em que por um lado há toda a componente habilitacional (académica, profissional, etc) assim como a componente comportamental (valências pessoais). Contudo, o critério de julgamento do recrutador deverá sempre ser o da maior compatibilidade do CV/Candidato com a exigência do perfil, deixando de parte questões que se tenham por estranhas ou irrelevantes para o processo, sob pena de, por virtude delas, se incorrer em actos discriminatórios. Fala-se por exemplo na situação de se carecer de prover por uma vaga de assistente de centro de chamadas (call center), e se excluir um CV ou terminar a meio o processo de um candidato que se venha a saber ser portador de HIV… Ora, atentos ao perfil exigido, quer curricular como comportamental, eventualmente o candidato seropositivo esteja em igualdade ou superioridade de circunstâncias em relação a outro/s não seropositivo/s, contudo, por mero preconceito ou pura ignorância, o recrutador poderá tornar relevante uma questão irrelevante, acabando por escolher um candidato não ou menos ideal para perfil desejado, deixando escapar o candidato que, no geral, melhor preencheria as exigências do perfil. Com efeito, importa que as normas de conduta e o nível de formação e postura ética de quem seja chamado à área de recrutamento e selecção da Organização estejam devidamente regulamentadas, e acima de tudo incutidas no into dos referidos colaboradores, não apenas enquanto um mero imperativo regulamentar, mas efectivamente como uma forma de ser e se posicionar no exercício das suas funções.
  • Necessidade de Verificação de Antecedentes (Due Diligences): Este é outro aspecto para o qual chamamos particular atenção à equipa de recrutamento e selecção, pelo que a política laboral em matéria de recrutamento deverá endereçar de forma propícia esta questão. Sucede que nos dias que correm, com um contexto económico-social bastante agreste, o desespero leva a melhor dos candidatos, fazendo-os muitas vezes incorrer em inverdades informativas (que poderão ir desde pequenos excessos ou exageros na descrição da informação até verdadeiras fraudes), levando a que haja um entorpecimento do mecanismo de compatibilização do candidato ao perfil exigido, permitindo que se insira para o seio da organização um elemento fora do perfil exigido/desejado, podendo vir futuramente a se tornar num verdadeiro activo tóxico. Desde modo, o procedimento da organização em matéria de recrutamento deverá pressupor pelo menos dois níveis de verificação da realidade e idoneidade da informação curricular do candidato, sendo o primeiro a nível de diligências simplificadas (due diligences), consubstanciando-se em análise da informação curricular e sua compatibilidade com o candidato (idade vs tempo de experiência; Instituição de formação vs grau obtido e curso estudado), confirmação da informação prestada junto dos anteriores empregadores ou formadores (verificação de páginas web das anteriores organizações, pesquisar no seu quadro de pessoal ou alumni traços que provem a passagem do candidato por lá), etc. Dependendo do nível de responsabilidade e confiança inerente ao cargo, ou independentemente disso, caso o recrutador não se sinta confortável com os resultados das diligências, o programa deverá prever mecanismos de reforço dessas diligências (enhanced due diligences), os quais traduzir-se-ão, muitas vezes, em verdadeiros mecanismos investigativos, como por exemplo testes psicotécnicos destinados a confirmar a conformidade e verdade das declarações prestadas pelo candidato, envio de correspondência às anteriores organizações, solicitando confirmação da passagem do candidato por lá, período e última posição detida ou grau obtido, convocação de um expert na área de formação ou actuação do candidato, o qual possa avaliar o grau/nível  profissional ou académico declarado pelo candidato, etc…
  • Cultura de Integridade pessoal: os recrutadores devem sempre afastar-se no processo de avaliação e recomendação de candidaturas em que figurem como interessados pessoas a si directamente relacionadas. Vão perceber que não nos limitamos ao habitual circuito de pessoas ligadas por vínculo de parentesco, pois a experiência mostra que não precisa haver uma relação familiar para que o julgamento do recrutador em relação ao candidato esteja maculado… as relações de amizade, compadrio e afins muitas vezes produzem sobre o recrutador as mesmas incapacidades que as relações familiares directas produzem, na medida em que o envolvimento pessoal e emocional é tal, que resulta num tratamento excessivamente leviano ou excessivamente severo, muitas vezes injusto para com o candidato. Ainda sobre isso, caso se avance com a candidatura da pessoa relacionada, o membro da equipa que a ela esteja relacionado deverá conservar o anonimato dessa relação diante dos colegas que conduzirem o processo, evitando uma pressão moral/emocional indirecta sobre os seus colegas. É importante que questões como essas estejam patentes no seio da organização, pois a sua não verificação poderá acarretar “aquisições” indesejadas ou inapropriadas, as quais se não harmonizarão com as expectativas da organização e consequentemente gerarão uma relação laboral eivada de insuficiências, arrastando tal situação para os demais elementos presentes no local de trabalho. Ora, como se vê, um mal recrutamento pode ser causa de um futuro ambiente de trabalho desagradável, com os riscos de produtividade associados. Por fim, uma organização conhecida no mercado por processos de recrutamento não transparentes e íntegros afasta os melhores quadros do mercado, na medida em que estes, sabendo do seu valor e das oportunidades, nunca se quererão envolver num seio organizacional manchado por tais práticas.

II. COMPLIANCE NA CESSAÇÃO DA RELAÇÃO LABORAL

No que à cessação da relação jurídico-laboral diz respeito, não obstante tratar-se do processo de termo da relação, tal não deverá pressupor um completo alhear-se do programa de compliance laboral da empresa, muito pelo contrário, deverá haver igual tratamento destas matérias, na medida em que os riscos inerentes a vícios nos procedimentos de cessação da relação poderão dar lugar a responsabilidade contravencional e judicial da empresa, abrindo-se contingências das quais resultarão certamente danos patrimoniais, e acima de tudo reputacionais para a instituição.

Considerando o amplo campo de situações que encerra a cessação da relação jurídico-laboral, neste artigo procuraremos abordar apenas algumas, de forma que os nossos leitores tenham uma ideia da nossa recomendação sobre a estruturação do programa de compliance laboral em matéria de cessação da relação.

  • Na cessação por mútuo acordo: esta modalidade de cessação, embora legalmente prevista, o legislador ordinário limitou-se a questões meramente formais, conforme resulta do texto do art.º 200.º da LGT, não tendo se pronunciado sobre critérios de determinação dos montantes a pagar ao trabalhador a título de compensação pela cessação, pelo que resulta claro que tal dependerá do acordado pelas partes. Com efeito, algumas disposições se reputam importantes a adoptar no programa, designadamente – i) A necessidade de redução a escrito do acordo; ii) a necessidade de identificação clara das partes e o fim do instrumento; iii) a especificação da natureza de cada montante pago ao trabalhador com a cessação, separando-se os créditos remuneratórios decorrentes de salários e complementos ou gratificações legais dos créditos compensatórios, decorrentes do acordo ora celebrado; iv) inserção de cláusula de preterição irrevogável, pelo trabalhador, de quaisquer direitos ou créditos, assim como do recurso à instância judicial ou equiparada para deles recorrer;
  • Na cessação por causas objectivas: inicialmente abordávamos esta parte da cessação deixando de fora as al. a) e e) do art.º 199.º da LGT, na medida em que são bastante claras sobre o termo da relação em virtude de morte do trabalhador ou do empregador, sendo que no caso do último, desde que pressuponha o encerramento da empresa ou cessação da actividade. Contudo, o anteriormente dito não afasta, em caso de morte do trabalhador, o dever de atribuir a quem legal e legitimamente o suceda os montantes que eventualmente lhe sejam devidos a título de créditos remuneratórios vencidos não pagos ou vincendos (salários, subsídios proporcionais, reembolsos/devoluções, etc). Considerando o prazo legal de prescrição dos créditos laborais, finda a relação, eventualmente a empresa possa sentir-se tentada a ignorar essa obrigação, na esperança de que ninguém apareça, ou ao menos em tempo, para reclamar tais créditos, contudo, que princípios éticos e morais defende uma instituição que envereda por este caminho…? Quanto às demais causas objectivas, importa que se verifique o preenchimento dos requisitos legais, por exemplo em sede de falência, ora, sendo este instituto sujeito a decretamento judicial, até assim o ser, a falência, no sentido técnico-jurídico, não pode ser invocada como causa de cessação da relação. Igual ocorre em relação à incapacidade do trabalhador para prestar actividade por período superior a 12 meses, tal prognóstico deverá constar de laudo médico que especificamente apresente essa condição, sob pena de, por precipitação, o empregador se ver arrolado num despedimento improcedente.
  • Nos despedimentos por causas objectivas (individuais e colectivos): Chamamos particular atenção a dois aspectos, mormente, a questão dos critérios de selecção dos grupos de trabalhadores e postos de trabalho afectados, assim como o dever de comunicação com a IGT e o Sindicato ou outro órgão de representatividade dos trabalhadores. Em bom rigor, a nossa recomendação, MUITO HONESTA, é que a organização não se envolva em processos de despedimentos colectivos, pois é muito desgastante quer para o empregador como para os trabalhadores, pelo que, “antes um mal acordo à uma boa contenda”, com isso queremos dizer que melhor celebrar 100 acordos de rescisão por mútuo consentimento, a ter um processo para colectivamente despedir 100 trabalhadores.

Em qualquer dos casos, o processo de saída de um colaborador pode impactar tanto a empresa como o processo de entrada, pelo que devemos ter sempre em atenção o cumprimento de certas etapas, sob pena de o acto de “saída” do colaborador ser uma porta de “entrada” de outros factores de risco. Com efeito, algumas das recomendações que nos propomos a partilhar aqui passam pelo seguinte:

  1. Questionário de Saída: Recomendamos a criação de um pequeno questionário, a ser preenchido pelo colaborador em processo de saída, nos termos do qual se pretenda saber a avaliação do mesmo sobre a experiência geral ao longo do tempo de serviço, as causas da sua saída, o grau de satisfação/insatisfação, a abertura para possível reingresso no quadro, se recomendaria a instituição, etc. Esse mecanismo, embora possa parecer completamente desnecessário, poderá ser na verdade um meio de aquisição de informação sobre falhas de procedimento, problemas no gerenciamento de relações interpessoais, crises de liderança, descontentamento, entre outros factores que possam perigar o ambiente de trabalho.
  2. Entrevista de saída: à semelhança do questionário, essa entrevista, além das questões já referidas no ponto anterior, tem por finalidade o “apascentar dos espíritos”, posto que nela os representantes do empregador terão por responsabilidade certificar o trabalhador das condições em que saiu, as consequências pessoais, sociais e profissionais dessa saída, esclarecer quaisquer males entendidos, acautelando assim que não se esteja a criar um potencial “ex-colaborador rancoroso” que possa minar o bom-nome, imagem e reputação da instituição no mercado.
  3. Exames médicos de demissão: é fundamental que sejam realizados exames de saúde ocupacional, de forma que a instituição tenha ciência do estado em que o colaborador saiu, protegendo-se de possíveis processos por doenças profissionais, as quais podem ter resultado de acto completamente alheio à actividade ou local de trabalho, contudo carreados pelo trabalhador, aproveitando-se da ausência desse mecanismo de protecção por parte da entidade empregadora.
  4. Comunicações oficiais: A saída de um colaborador é um acto sujeito ao dever de comunicação ao Centro de emprego, ente público representativo do departamento ministerial responsável pelo sector do trabalho junto dos governados. Com efeito, a “check list” de saída do colaborador deverá sempre conter, na parte final, a emissão das respectivas comunicações ao Centro de Emprego da sede da empresa.

Esperamos com as notas supra termos prestado algum contributo para as investigações dos colegas que, como nós, são cultores de materiais laborais e de compliance, realçando no entanto que o conteúdo em referência não representa o teor integral do manual concebido para as formações que temos ministrado em sede do Programa Intensivo de Compliance Laboral, tampouco deverá servir de parecer técnico vinculativo, pelo que recomendamos a consulta de um profissional da área para esclarecimento de questões concretas.

Por: Jocelino Malulo

Advogado especialista em Compliance

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