A flexibilidade no horário de trabalho e a adequação dos ordenados aos contextos económicos constituem os fenómenos mais debatidos nos últimos tempos, quer nos almoços, cafés, entre funcionários de diferentes organizações e nos ambientes de trabalho.

Estamos num contexto em que os funcionários buscam cada vez mais tempo livre para dedicar-se ao lazer e às pessoas que muito amam, aos familiares com laços consanguíneos, amigos, vizinhos e outros. Entretanto, não tem como gozar deste desejo na sua plenitude quando se trabalha por conta de outrem sem uma certa flexibilidade laboral e remuneração adequada.

As variáveis, flexibilidade no horário de trabalho e o rendimento necessário para usufruir este tempo livre, estão a pôr em causa a continuidade de muitos indivíduos nas organizações em que se encontram, independentemente das suas qualificações. Pois, se alguém mantiver um diálogo durante uma viagem com um Uberista entenda-se aqui, (como sendo aquele profissional que faz serviços de transporte de passageiros por intermédio de um veículo descaracterizado a partir de uma plataforma electrónica), perceberá que o mesmo desligou-se da instituição em que se encontrava ou está a conciliar as duas actividades.

É verdade também que a actividade de Uber está a tornar-se num meio para aumentar as receitas financeiras face à desvalorização dos ordenados que se espelha na perda do poder de compra. Para o efeito, as pessoas sentem-se obrigadas a trabalhar 12 ou mais horas ao dia, comprometendo assim o equilíbrio entre a vida profissional e social ou familiar.

Assim, indagamo-nos: afinal qual é o perfil profissional das pessoas atraídas pelo Uber? Quais são as mais-valias em trabalhar neste sector e as lições que os GRH devem tirar?

O apanágio desta reflexão prende-se com a necessidade de demonstrar os elementos de atracção do Uber e as lições para os de GRH.

Atração dos indivíduos pelo Uber

Os serviços de transportes privados são importantes para qualquer sociedade, uma vez que auxiliam os transportes públicos na mobilidade das pessoas no casco urbano e não só. E a criação dos aplicativos de gestão que permitem aos motoristas que sejam contactados em qualquer sítio que estiverem por um cliente, o respectivo débito directo na conta do cliente, rota da viagem, sem sombra de dúvidas, inovou bastante este sector e, por sua vez, tem atraído diversos profissionais, alguns como fonte principal e outros como secundária.

Nos últimos tempos, tem-se notado algumas alterações no perfil profissional dos indivíduos que estão a ser atraídos neste ramo de actividade, pois outrora quem tinha mais predisposição para o exercício desta actividade eram os motoristas profissionais, os imigrantes (em função das dificuldades de integração no mercado de emprego), não obstante as suas qualificações ou competências profissionais, pessoas reformadas e pessoas com poucas qualificações. Mas hodiernamente encontramos muitos indivíduos de diversas nacionalidades, incluindo indivíduos originários dos respectivos países e pessoas formadas ou em formação superior. Estes justificam a sua opção pela liberdade de fazer o seu próprio horário de trabalho e financeiramente sentem-se mais bem recompensados, mesmo sabendo que a recompensa financeira tende a ser proporcional à estratégia de trabalho, à quantidade e qualidade do tempo dedicado à actividade.

Preocupação dos GRH com emigração de profissionais

Na verdade, os serviços de táxi emergiram a tempos longínquos e como qualquer actividade económica, mas a modalidade de Uber é relativamente recente e inovadora, e atrai neste momento qualquer indivíduo que tenha interesse em trabalhar nele, mas desperta-nos particular atenção pelas metamorfoses no tipo de força de trabalho que está a imigrar para este sector. Pois, se outrora eram a franja já acima referenciada, actualmente estão pessoas formadas em várias áreas do saber.

Os funcionários que não sentem as suas aspirações alcançadas, e perdendo a esperança de tempos melhores, estão a criar estratégias de poupar algum dinheiro para dar entrada de uma viatura ou mesmo a sua aquisição a pronto pagamento e em seguida demitirem-se à favor do Uber ou conciliam.

Entretanto, não há mal algum nesta tendência na medida em que as pessoas são livres de escolher as suas aspirações profissionais. Porém, julgamos que os GRH não devem permanecer inertes diante deste fenómeno, mas, devem sim tirar lições para aperfeiçoar as suas políticas de GRH.

Reter, em linha geral, é criar políticas capazes de promover estímulos constates aos seus colaboradores que os motivem a permanecer na organização e mitigar a sensação de opressão. É ponto assente que promover a satisfação laboral é um grande desafio, pois a satisfação é um estado passageiro tal como as necessidades humanas. Ou seja, cada fase da vida, ou profissional, tem as suas exigências que impactam negativa ou positivamente na maneira de encarar o ambiente laboral e a organização tem dificuldade de acompanhar esta rapidez, mas não pode ser um óbice no seu todo. 

Em outras áreas do saber, fala-se muito em resiliência. Então, os GRH devem igualmente ser resilientes com uma postura pro-activa e não reactiva diante dos desafios impostos pelo tipo de capital humano que temos neste século: mais exigente, insatisfeito e, em muitos casos, imediatista e com mais necessidade de tempo livre para relacionar-se com o meio que o rodeia. Em síntese, a verdade é que os tempos mudaram e com ele as aspirações individuais.

No que tange aos tempos livres, temos ciências de que muitos governos (Dubai, Portugal etc.) estão a ensaiar os 4 dias de trabalhos semanais para garantir mais tempo livre aos cidadãos. Os GRH podem antecipar-se, mediante a realização de estudos para avaliar os prós e contras. Ademais, alguns funcionários sentem-se injustiçados porque não têm ciência da sua contribuição para a produção da organização. E, para mitigar isto, podemos promover mais envolvimento dos mesmos na situação financeira da organização e encararmos os funcionários como parceiros. Os GRH devem familiarizar-se mais com as medidas respeitantes à qualidade de vida no trabalho e adaptá-las ao respectivo contexto laboral.

Os GRH diante do contexto social

Os sucessivos acontecimentos a nível internacional que têm impacto na sociedade em que a instituição está inserida, como por exemplo as consequências do conflito na Ucrânia que se manifestam no aumento da inflação na Europa e no resto do mundo, sendo que esta situação está a comprometer o poder de compra das famílias, e sabendo que os funcionários são provenientes daquele espaço social, seria normal, atendendo o contexto e de acordo com as possibilidades de cada  organização, ajustar as recompensas ao actual cenário.

Nesta senda, o GRH não deve permanecer alheio aos fenómenos externos à organização que poderão ter impacto na gestão do pessoal, uma vez que as suas políticas devem ser adaptadas ao contexto em que a organização está inserida. Pois, apenas deste jeito estariam em condições de contrapor os fenómenos push – aqueles que concorrem para que o individuo tenha desejo de abandonar a organização ou que atiça a intenção de turnover.  E melhorar os fenómenos pull – sendo estes os factores de atracção e retenção do capital humano na organização.

Considerando que neste contexto em particular os fenómenos push podem ser a inflexibilidade no horário de trabalho, o não controlo da produção pelo trabalhador, a precariedade da liderança e dos ordenados, o sentimento de injustiça, a estagnação profissional, a sensação de exploração a fraca empatia da liderança.

 Em relação aos fenómenos pull – aqueles que podem concorrer para atracção e permanência dos funcionários, por exemplo, horário flexível, transparência na produção, crescimento profissional, remuneração que se adequa ao contexto ou variável, boa relação organizacional e coerência nas decisões tomadas pelos superiores.

Ao longo das nossas análises, podemos identificar vários aspectos consideráveis mais-valias em ser se Uberista. Dentre os quais estão:

  • A possibilidade dos indivíduos em conciliar esta actividade com as obrigações domésticas, por exemplo, desligar o aplicativo para ir deixar ou buscar a criança à escola ou creche;
  • Não precisa esperar um mês para ter o seu ordenado;
  • Há possibilidade de auferir mais do que um salário mínimo e com isto rapidamente conseguir organizar a vida. Isto é, o individuo faz ainda o seu próprio horário e estabelece as suas próprias metas semanais e mensais;
  • Tem a possibilidade de conciliar com outras actividades profissionais;
  • Não há atrasos nos ordenados, têm controlo da sua própria produção;
  •  Não há expectativas de progressão de carreira, nem tão-pouco de aumento de salário, dois elementos que podem exercer uma pressão psicológica e pôr em causa a sua saúde mental;  
  • Por fim, pode-se contar com o apoio da segurança social, caso seja necessário, uma vez que se faz a contribuição para o efeito mensalmente. Caso seja um imigrante, tem o domínio da cidade com mais rapidez.

E como não há trabalhos perfeitos, os maiores desafios estão no cansaço físico e psicológico proporcionado pela quantidade de horas dedicadas à condução, as vezes a arrogância de certos passageiros e a ausência de um período de descanso remunerado efectivamente.

Em suma, umas das lições a ser retida é a necessidade de as organizações criarem mecanismos para conciliar o tele-trabalho ao trabalho presencial para que nalguns casos os colaboradores possam conciliar com actividades domésticas (fundamentalmente quando as escolas primárias estão em greve). Encontrar soluções económicas capazes de retirar as empresas da cultura do ordenado mínimo e estanque, e adoptar um estilo de liderança contextual, tendo sempre em conta a maturidade profissional da equipe.  Impõe-se também a empatia dos GRH no que tange a determinadas urgências que os colaboradores têm em função de uma situação familiar, pois, esta é uma das razões por que esta actividade é tida como libertadora.

Se houver resistência continua das organizações em prestar atenção nestes aspectos, estarão a forçar o capital humano a abraçar outras realidades profissionais mais dinâmicas que correspondam às expectativas dos anseios da geração profissional actual.

 Nsekele watomakuiza, Gestor de Recursos Humanos e Docente Universitário.


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