Por centenas de anos mantivemo-nos acorrentados às expectativas sociais no que toca aos nossos relacionamentos e realizações; vivemos obstinados por estarmos na norma, pela busca dos príncipes e princesas ideais e pelos finais felizes e perfeitos preconizados pela indústria da ficção literária, televisiva e cinematográfica. Porém, a contemporaneidade “millennial” trouxe-nos uma nova obsessão – a imposição de sermos gratos, de sermos empáticos, resilientes, de encontrarmos o nosso eu autêntico e a obrigatoriedade de trazermos significado à nossa existência. Preconizamos que evoluímos e que este “novo vício” é mais saudável, mais humanista e mais sustentável. Será? A que custo (financeiro, físico, emocional e relacional) nos chega esta nova felicidade?
O “eu” moderno, nesta nova economia de experiências, é insaciável de vivências plenas, da vulnerabilidade emocional, e do bem-estar individual. O nosso storytelling de felicidade passa inevitavelmente pela superação pessoal, pela positividade e pela crença absoluta de que a persistência e o compromisso compulsivo no ultrapassar de objectivos constantes é a única forma de sermos genuínos e de respeitarmos a nossa individualidade. No entanto, esta nova construção do ser social acaba por resultar numa existência extremamente egoica e solitária, numa parca resistência à frustração (sobretudo a tudo aquilo que contrarie a ausência de sofrimento), numa instrumentalização dos relacionamentos interpessoais na busca pela experimentação do prazer próprio imediato e numa hipocrisia alimentada pela intolerância extrema a tudo o que seja encarado como socialmente negativo.
As diversas redes sociais transformaram-se numa global montra digital para mostrar o quanto estamos felizes. Na realidade, não se trata de sermos verdadeiramente felizes, mas sobre parecermos sê-lo através de fotos, reels, posts, gifs, etc. Ensaiamos diariamente um papel principal numa comédia romântica a que chamamos de “felicidade”, sem nos questionarmos o que é de facto e como defini-la para nós mesmos e para os que nos rodeiam. Estas plataformas geraram uma visão distorcida do bem-estar, do prazer, da satisfação pessoal e do auto-conceito.
Vivemos actualmente numa sociedade obcecada pela felicidade; ansiamos por isso, mas sentimo-nos incapazes de alcançá-la. A felicidade tornou-se num produto comercial vendido em shots de autoajuda, de coaching diverso, mindfulness, palestras motivacionais e multimédia de positividade inebriante. Este novo modelo de negócio não é inovador; sustenta-se na eterna insegurança e na insatisfação humana e procura uma audiência que deseja aperfeiçoar-se comprometendo-se às famosas listas “como ser ou tornar-se mais…”, sem nunca ou parcas vezes se ter reflectido e auto-questionado.
O ciclo vicioso a que estamos presos, entre estarmos satisfeitos e insatisfeitos, felizes e infelizes, é explicado pela Adaptação Hedónica. Esta é a tendência observada nos seres humanos de retornar rapidamente a um nível relativamente estável de felicidade, após grandes eventos positivos, negativos ou mudanças de vida. Sempre que alcançamos algo que pensámos que nos faria felizes, aquele sentimento de realização com que fantasiávamos há tanto tempo, afinal não dura assim tanto. Aconteça o que acontecer, retornamos sempre ao nosso nível base de felicidade. O prazer é subjectivo, e é naturalmente transitório. Quando o prazer é tratado como um objectivo a ser alcançado, ele torna-se uma ilusão cada vez mais distante.
Este não é e nunca poderia ser um artigo contra a felicidade. É sim uma reflexão para cada um de nós e, em especial, para os agentes promotores de desenvolvimento humano. O extremismo da felicidade (e qualquer outro) não é a solução para o sentimento de insegurança emocional, para a insatisfação pessoal constante e para a ansiedade moderna. Devemos nos questionar (ou fazer questionar) sobre os pressupostos que nos são apresentados e descobrirmos a liberdade de decidirmos que é bom para nós, não com seres solitários, mas como um conjunto social. A demanda pela felicidade não substitui o pensamento crítico e analítico sobre nós mesmos e sobre o que nos rodeia. (Auto) Conhecimento, respeito pelos nossos valores e o comportamento ético e justo, será sempre um propósito melhor.
Cláudio Osório, Co-founder e Head of Experience Design da OKU HUMAN®